Vigília Pascal
Gn 1, 1-2; Gn 22, 1-18; Ex 14, 15 – 15, 1; Ez 36, 16-17a.18-28; Rm 6, 3-11; Sl 117; Lc 24, 1-12
1. Meus irmãos,com a liturgia do Sábado Santo, a Vigília Pascal, encerramos o Tríduo Pascal. A Vigília Pascal que estamos celebrando é já celebração da Páscoa de Jesus, de Sua ressurreição, de Sua passagem desta vida para o Pai, da morte para a vida, da morte para a vida eterna. Trata-se de uma vigília, portanto de uma espera, espera pela ressurreição de Jesus. Trata-se da mais importante, da mais nobre de todas as solenidades do Ano Litúrgico. S. Agostinho dizia que a Vigília Pascal é a “mãe de todas as santas vigílias” (Sermão 219: PL 38, col. 1088). Mas a Vigília Pascal não é apenas espera. Ela é também festa, é a festa da Páscoa de Jesus, é a festa de Sua ressurreição, pela qual foi aberta a porta da vida eterna para toda a humanidade.
2. Começamos esta liturgia com bênção do fogo novo. É a liturgia da luz. A luz representa a fé, mas ela é também o que contrasta com as trevas, que são os nossos pecados. No Natal se lê que Jesus é a “luz que brilha nas trevas” (Jo 1, 7). Jesus, com o seu exemplo, vem iluminar o caminho dos homens. Mas Jesus não é apenas um homem exemplar. Ele é nosso Deus e, além de nos dar o exemplo, Ele nos dá a Sua vida e a Sua graça para seguirmos o Seu exemplo, para vivermos os Seus mandamentos. O “fogo novo”, que há pouco foi abençoado, e que comunicamos uns aos outros, representa o Ressuscitado que vem nos despertar a fé na vida nova, na vida eterna, que Ele manifestou na nossa história, e que dela nos faz participar.
3. Após a bênção do “fogo novo”, acendemos o Círio pascal, esta grande vela que também representa o Ressuscitado. As suas inscrições lembram a cruz e as chagas, a morte que o Cristo experimento, e que a ressurreição veio superar. O Círio tem inscrito o ano de 2014, no qual, no dia de hoje, renovamos a fé em Cristo ressuscitado. Com nossas velas, fomos comunicando uns aos outros a luz de Cristo, que somos nós o novo Povo de Deus, que nos iluminamos pela salvação que o Cristo nos dá.
4. Em seguida, tivemos uma série de textos bíblicos, com os quais a Igreja medita as maravilhas que o Senhor fez para o seu Povo desde a criação, que foi a 1.ª leitura, passando por Abraão, nosso Pai na fé; depois a libertação do Egito, que é a prefiguração da Páscoa de Jesus, que hoje celebramos; por fim, um trecho do profeta Ezequiel que fala do perdão, através do qual experimentamos a salvação que Deus nos dá na vida do Povo, e na vida de cada um de nós. É notável que Ezequiel expressa esse perdão de Deus como uma troca de corações: Deus retira o coração de pedra, duro por causa dos nossos pecados, e o troca por um coração de carne. Deus não nos coloca um coração angelical, celeste, mas um coração de carne. Isto significa com o perdão que Deus nos oferece Ele nos restaura para amar em plenitude, realizando a nova criação, a nova humanidade.
5. Esta série de leituras do Antigo Testamento, que há pouco ouvimos, recorda o braço forte de Deus, as Suas maravilhas no meio de Seu Povo, e expressam também uma caminhada que vai culminar no momento em que o próprio Filho de Deus se fez homem para conduzir o mesmo Povo, na esperança de que a humanidade se salve, e que a Ele seja sempre fiel. Após as leituras do Antigo Testamento, da Antiga Aliança, entoamos o “Hino do Glória”. Ficamos a Quaresma inteira sem cantá-lo, como não cantamos o “Aleluia” no mesmo período, para significar o tempo de recolhimento e de necessário discernimento para a nossa conversão. Hoje contamos o Glória e o Aleluia para expressar a nossa alegria, porque da Ressurreição de Cristo nos veio a nossa salvação.
6. Dentro de alguns momentos daremos início à liturgia batismal. Nós, o Novo Povo de Deus, somos o Povo de batizados, o Povo messiânico, o Povo ungido, crismado. Isto significa que é através do Batismo que nós participamos da Páscoa de Jesus. É como ouvimos após o “Hino do Glória”, na Carta de S. Paulo aos Romanos. No Batismo morremos com Cristo, morremos para o pecado, para com Cristo ressuscitar. E é por isso que sempre no Sábado Santo, renovamos as promessas batismais. E é por isso que se aconselha que no dia de hoje sejais feitos Batismo, o que nos ajuda a recordar o nosso Batismo, o momento em que nós somos feitos cristãos, Filhos de Deus e membros da Igreja, o dia em que salvação entrou em nossas vidas, o dia em que a ressurreição, a vida eterna, passou a acontecer em nossas vidas.
7. O Evangelho de hoje é um dos relatos da ressurreição de Jesus. Trata-se do encontro do Ressuscitado com Maria Madalena. Ela foi a primeira pessoa do Povo de Deus, a primeira de todos os seguidores de Cristo a fazer a experiência, o encontro com o Ressuscitado. E este fato possui um duplo significado. No Antigo Testamento, o relacionamento entre marido e mulher, o casamento, era expressão da Aliança entre Deus – o esposo, com o seu Povo – a esposa. Hoje, no momento em que se consuma a Nova Aliança com a Ressurreição de Jesus é uma mulher que fez pela primeira vez a experiência do Ressuscitado. Maria Madalena, assim, representa todo o Povo de Deus, numa Nova Aliança, realizada entre Deus e Seu Povo, pela morte e ressurreição de Jesus.
8. Mas é também notável que esta mulher é Maria Madalena, que foi curada por Jesus, “de quem tinham saído sete demônios” (Lc 8, 2). Ela foi testemunha da morte de Jesus (Mt 27, 56; Mc 15, 40; Jo 19, 25) e do Seu sepultamento (Mt 27,61; Mc 15, 47). Como lemos no Evangelho de hoje, é Maria Madalena quem chegou cedo ao sepulcro no dia da Páscoa (Jo 20, 1; cf. Mt 28, 1; Mc 16, 1; Lc 24, 10), e foi a primeira testemunha da Ressurreição de Cristo junto aos irmãos. E, já ressuscitado, Jesus a enviou a anunciar aos irmãos a Sua Ressurreição (Jo 20, 17). Esta mulher, que representa todo o Povo de Deus neste momento fundamental que é a ressurreição de Jesus, fez em toda a sua vida uma grande trajetória, uma grande caminhada, como seguidora de Jesus: ela foi curada, se fez seguidora de Jesus, e O acompanhou até a cruz. Vejam que Maria Madalena conseguiu seguir os passos com mais fidelidade e coragem que outros seguidores de Jesus. Ela não O abandonou após a perseguição, e aparece ao lado de Nossa Senhora no momento da crucifixão. E na manhã do dia de Páscoa vai levar aromas para passar no cadáver de Jesus. É lá que ela se depara com o sepulcro vazio e, depois, com o Ressuscitado. Maria Madalena não apenas faz o encontro com o Ressuscitado, mas também pelo Cristo já vencedor da morte, e é tornada missionária. Foi à Madalena que Jesus pediu e, portanto, a enviou, a anunciar aos Apóstolos que novamente se reúnam, para que possam se encontrar com Ele, para que depois possam ao mundo anunciar esta maravilha. E porque Madalena viveu todas estas etapas é que vemos nela uma cristã exemplar, exemplo de seguidora de Jesus, exemplo também de missionária, um exemplo para todos nós. Assim, em Maria Madalena, vemos a Nova Aliança de Deus selada e consumada com o Seu Povo, o Novo Povo de Deus, e também, em Maria Madalena, este mesmo Povo é enviado a todas as nações, a anunciar a salvação oferecida por Deus.
9. Após a liturgia batismal, teremos a liturgia eucarística. Novamente partiremos o pão que já não é mais pão, mas o Corpo redentor de Cristo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, o Cordeiro Pascal da Nova Aliança. É o acabamento da liturgia de hoje, e que expressa a etapa da História da Salvação na qual vivemos. Jesus, na Última ceia, ao instituir a Eucaristia, disse aos discípulos: “Fazei isto em memória de mim”. Na última ceia, Jesus antecipou o Seu sacrifício da Cruz. Jesus não nos pede que repitamos a ceia, mas pede aos Apóstolos e, assim, aos seus sucessores, os Bispos, e aos seus colaboradores, os Padres que, repetindo os Seus gestos na ultima ceia, perpetuemos o seu Sacrifício em sua memória, até a sua segunda vinda. O pedido de Jesus é duplo, celebrar e comungar. A alguns, aos Apóstolos, Jesus pede que celebrem a Eucaristia em sua memória; mas Jesus quer ser o alimento, quer ser a comunhão dos irmãos por Eles salvos. Nós, os Padres e os Bispos, mundo afora, celebramos a Eucaristia, por mandato de Jesus e, pelo mesmo mandato, somos chamados a tomar parte da comunhão que nos alimenta para seguir o Seu caminho. A Eucaristia também nos antecipa o Reino dos Céus, pois estamos em comunhão com o próprio Deus que Se faz alimento de todo o Seu Povo. Assim, alimentados pela Palavra de Deus e pela Eucaristia, somos robustecidos pelo próprio Deus para a construção do Seu Reino, inaugurado por Cristo na nossa história, e que terá nos Céus a sua consumação.
10. Meus irmãos, hoje celebramos a festa cristã mais importante. Celebramos a Páscoa de Jesus Cristo, a Sua vitória sobre a morte e sobre o pecado. Celebramos a Páscoa de Jesus Cristo, a Sua passagem desta vida para o Pai, da morte para a vida, da morte para a vida eterna. Em Jesus contemplamos o amor de Deus que nos chama à comunhão, que tem início nesta vida e que terá a sua consumação na eternidade. E a ressurreição de Jesus é o penhor desta vida eterna. E ao contemplarmos a ressurreição de Jesus, e ao contemplarmos o amor de Deus, tocados por Ele, somos convocados e enviados pelo Ressuscitado a sermos os construtores do Seu reino de paz. E ao contemplarmos a ressurreição de Jesus e o Seu amor pela humanidade, nós nos comprometemos amar como Ele ama, a amar o próximo por amor de Deus. É esta a comunhão para a qual Deus nos convoca, e é com esta comunhão que se faz a vontade de Deus, e é com esta comunhão que se constrói o Reino de Deus, e esta comunhão que se inicia na vida presente e terá sua plenitude na eternidade, pelos méritos da Páscoa de Cristo, que hoje celebramos. Amém!
Por padre Ari Ribeiro – Doutor em Teologia, pároco da paróquia São Galvão, coordenador da catequese da Diocese de Santo Amaro (SP), membro da Equipe Regional do Ensino Religioso – Regional Sul 1 da CNBB.
http://www.jovensconectados.org.br/vigilia-pascal.html
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