Corpus Christi ou Corpo de Deus? Que corpo, mesmo, essa data recorda e celebra?
Dia 30 de maio de 2013, festa ou feriado? "Corpo
de Deus" ou "Corpus Christi"? Os grandes meios de comunicação,
quando em português, designam o dia como de "Corpo de Deus"; quando
em latim, como de "Corpus Christi". Essa dupla designação levanta a
diferença fundamental entre as religiões em geral e o cristianismo em particular. Para
aquelas, "Deus é um Espírito perfeitíssimo, eterno, criador do céu e da
terra". Por isso, se o Deus das religiões é só Espírito, para elas é de
todo inconveniente falar em "Corpo de Deus".
Cristianismo fora de Jesus Cristo não está com nada. O
Homem-Jesus-de-Nazaré veio ao mundo há mais de 2000 anos, na Terra Santa
ou Palestina. Deus, para as religiões, é totalmente transcendente e tem sempre
aqui na terra um profeta, um guru, alguém em suma, que é quem o explicita. No
islamismo, por exemplo, Deus é Allá e seu profeta é Maomé; na religião
afro-brasileira, Deus é Oxalá e intermediário é o Orixá; em países asiáticos o
Deus transcendente tem Buda como profeta. Enquanto as religiões tem sempre seu
referencial em Deus, o cristianismo fora do Homem-Jesus-Cristo não existe.
Porém Jesus que é um Homem de carne e osso é também Deus em plenitude. Para os
cristãos portanto, a festa do dia 30 está muito mais para "Corpus
Christi" do que para "Corpo de Deus".
Jesus Cristo é o Deus-Amor porque Ele veio nos revelar o
verdadeiro AMOR oblativo, total, só ele digno do nome Amor porque, o primeiro,
o captativo é falso, por isso morre logo aí adiante no arrastão do primeiro
contratempo. O próprio Mahatma Gandhi, que não era cristão, exclamou: "A
um povo de famintos, Deus só pode aparecer como Pão" e o Homem de Nazaré
disse: "Não há maior prova de amor do que dar a Vida por aqueles aos quais
se ama!" Não só falou mas concretizou com seus sofrimentos (paixão), morte
na cruz, ressurreição e ascensão. Tornou-se pão para ser símbolo máximo do
infinito amor pelas suas criaturas. Isto nós celebramos com a festa-feriado de
Corpus Christi. As procissões que levam o Pão consagrado por ruas, casas e
janelas enfeitadas para a ocasião, revelam uma devoção popular histórica,
devota, cujo valor espiritual e cultural tem de ser acentuado.
A ênfase que se dá a uma Presença sacramental de Jesus
Cristo não exclui, todavia, a sua presença igualmente Real, Encarnada e Viva
nos corpos daquelas pessoas que, como Ele, foram e têm sido desprezadas,
perseguidas pelo poder econômico, político e religioso de cada época. À nossa
volta existe muita gente processada, presa, condenada e morta, justamente
pela fidelidade que guardou ontem e guarda hoje à Sua Vontade Libertadora e
Redentora do mal, do pecado, da injustiça.
Uma certa cerimônia religiosa, por sua pompa, solenidade
vistosa e aparato, assim, corre o risco de fazer do seu significado o
esquecimento do seu significante, sendo capaz de imitar ideologicamente uma
exibição de autoridade e poder contra a qual o Corpo de Jesus Cristo, vítima pobre,
flagelada e crucificada pelo mesmo tipo de mando, deu testemunho claramente
oposto.
O sentido litúrgico dos ritos, das procissões que celebram a
Eucaristia, antes de reduzirem o Mistério da Encarnação a uma Presença Mágica
de solução de todos os nossos problemas, recorda que ela apareceu numa certa
mesa em que se partia o pão para todas/os, um pão material que, além de
saciar a fome física dos comensais, pretendia perenizar tanto um modelo de
amor, de partilha e convivência, quanto uma Presença Divina na história.
O fim transcendente ao sacramento celebrado na próxima
quinta-feira parece não ser outro que não o do concreto modo pelo qual esse
modelo cumpre a ordem de Jesus Cristo, "fazei isso em memória de
mim". Em que o "nem só de pão vive o homem", num contexto
de repúdio à tentação de um consumo egoísta e exclusivo, posteriormente
responsável pelo assassinato do Filho de Deus, vai ser confrontado depois pelo
"...felizes os que têm fome e sede de justiça", "...foi no
partir do pão que nós o reconhecemos", num contexto de ressurreição e de
vitória sobre a morte.
Essa explicitação serve bem ao sentido e à referência que a
celebração de Corpus Christi comporta. Questiona o reducionismo censurado pelo
próprio Jesus Cristo quando advertiu de que não "não é aquele que me chama
de Senhor, Senhor, que entrará no Reino dos céus", pois entre os sinais
dos tempos que aparecem hoje, a ausência progressiva dos sinais da Eucaristia,
aquela que não é puramente sacramental, parece inquestionável. Tão Real como Essa,
aquela constitui desafio à prática de quantas/os querem ser fiéis a uma e à
outra já que, em verdade, nem deviam ser consideradas separadamente.
Entre discutir se a data de celebração de Corpus Christi,
portanto, deve ou não ser feriado, se a procissão vai sair com chuva ou sem
chuva, quem deve ou não levar o ostensório, parece mais importante refletir que
pensamento, sentimento e ação ela nos convida a considerar como os mais
apropriados ao Amor e à Vida que ela encarna.
Salvo melhor juízo, convém que a gente participante da
procissão em homenagem ao Pão Consagrado seja a mesma que pega no arado sem
olhar para trás, a que toma a sua cruz em seguimento de Jesus Cristo, a que ama
os pobres e os pecadores, não os julgando para não ser julgada, a que, a caminho
do Pai, espera encontrá-lo na eternidade, menos por ter participado dessa
homenagem e mais por ter dado a vida pelo que aquele Pão simboliza e
encarna.
por Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsín
Fonte: Centro de Estudos Bíblicos (CEBI): www.cebi.org.br
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