Prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão (Jo 13,1-15)
OLHAR O ESPELHO DA VIDA
Vamos refletir sobre o texto que descreve o último encontro
de Jesus com seus amigos. Vamos fechar os olhos e imaginar que estamos na sala
com Jesus, ao lado de Pedro. Durante a leitura, vamos prestar atenção no gesto
de Jesus e na reação de Pedro.
SITUANDO
O Evangelho de João tem uma dinâmica que envolve os leitores
e as leitoras. No primeiro livro, o Livro dos Sinais (1,19 a 11,54), vemos a
revelação progressiva que Jesus fazia de si e do Pai. Pouco a pouco, a gente
ficou sabendo quem é Jesus e qual a missão que recebeu do Pai. Paralelamente a
esta revelação, apareciam a aceitação por parte do povo e a resistência por
parte das autoridades religiosas. No fim, o balanço foi o seguinte. O grupo
fiel dos discípulos e das discípulas, mesmo sem entender tudo, aceitou Jesus,
acreditou nele e se comprometeu com ele.
O segundo livro, o Livro da Glorificação, tem outra
dinâmica. Na primeira parte (Jo 13
a 17), Jesus se reúne com o grupo fiel na última ceia.
Na segunda parte (Jo 18 e 19), o outro grupo toma as providências para executar
o plano de matar Jesus. Na terceira parte (Jo 20 e 21), Jesus ressuscitado
reencontra a comunidade e a envia em missão, a mesma que ele recebeu do Pai.
COMENTANDO
João 13,1 – A passagem, a páscoa de Jesus
Finalmente, chegou a Hora de Jesus fazer a passagem
definitiva deste mundo para o Pai. Esta passagem através da morte e
ressurreição é motivada pelo amor aos amigos: “Tendo amado os seus, amou-os até
o fim!” É o êxodo, a páscoa de Jesus, que vai abrir a passagem para todos nós,
de volta para o Pai.
João 13,2-5 – O lava-pés: dois contrastes
Chama a atenção a maneira contrastante como João apresenta a
cena do lava-pés. Ele diz que Jesus e os discípulos se encontraram à mesa numa
refeição. Para os judeus, a comunhão de mesa era um momento de muita
intimidade, onde só participavam os maiores amigos. Mas aqui, Judas, que já
tinha decidido entregá-lo, está presente e participa. O amor de Jesus é maior.
Ele aceita Judas na mesa. Este é o primeiro contraste. Há outro, Jesus veio do
Pai e volta para o Pai. Mesmo sendo de condição divina, ele assume a atitude de
empregado e de escravo. Coloca um avental e começa a lavar os pés dos
discípulos. Começa a realizar a profecia do Servo de Deus (Is 42,1-9). É a
imagem de Deus servidor que contrasta com a imagem do Deus todo-poderoso.
João 13,6-11 – Reação de Pedro
Pedro reage. Não quer aceitar que Jesus lhe lave os pés.
Jesus diz que, se Pedro não aceitar que lhe lave os pés, não vai poder ter
parte com ele. O que significa isto? É que Pedro tinha dificuldade em aceitar Jesus como
Messias Servo que sofre. Pedro queria um Messias Rei que fosse forte
e dominador. Nos outros evangelhos, Pedro recebe a crítica de Jesus: “Vai
embora, Satanás” (Mc 8,33). Ele tem que mudar de ideia e aceitar Jesus do jeito
que Jesus é, e não um Jesus de acordo com o seu próprio gosto.
João 13, 12-15: Bem aventurança da prática
Depois de lavar os pés dos discípulos, Jesus tira o avental,
recoloca o manto, senta novamente na cabeceira da mesa e começa a comentar o
gesto. Ele pergunta: “Vocês entenderam o que eu fiz?” Parece que não tinham
entendido, começando por Pedro. E continua: “Se eu, sendo mestre e senhor,
levei os pés de vocês, vocês também devem lavar os pés uns dos outros”. Em
outras palavras, quem quer ser o maior deve ser o menor e o servidor de todos.
Aqui, nesta prática humilde do servo está a raiz da verdadeira felicidade: “Se
vocês compreenderem isto e o praticarem serão felizes!” Diz a Primeira
Carta de João: “Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com
ações e em verdade” (1Jo 3,18).
ALARGANDO
A última ceia e o lava-pés no Evangelho de João
Mateus, Marcos e Lucas descrevem como Jesus instituiu a
Eucaristia durante a última ceia. João não descreve a instituição da Eucaristia.
Será que esqueceu ou achou que não era importante? É que João tem a sua maneira
de descrever a Ceia Eucarística. Ela está no capítulo 6, onde fala da
multiplicação dos pães para o povo (Jo 6,5-15). Está no longo discurso sobre o
Pão da Vida (Jo 6,22-71). Está aqui no capítulo 13, onde insiste no serviço
amoroso, simbolizado no lava-pés (Jo 13,1-17). Está no capítulo 19, onde descreve
a morte de Jesus como cordeiro pascal (Jo 19,31-37).
A ceia narrada no Evangelho de João é bem diferente daquela
narrada nos outros evangelhos. Aqui no Quarto Evangelho não se fala em comer o
corpo e beber o sangue de Jesus num memorial até que ele venha (1Cor 11,23-26).
No Evangelho de João, o pão e o vinho são substituídos pelo gesto de lavar os
pés de seus discípulos e discípulas. Gesto de amor e de entrega que precede e
conduz à sua glorificação. “Tendo amado os seus, Jesus amou-os até o fim” (Jo
13,1). Este mandamento de serviço e de amor é que purifica qualquer pessoa que
queira seguir Jesus (Jo 15,3).
O gesto de lavar os pés não é feito antes da ceia, mas
durante a ceia. Jesus não quer fazer um mero gesto de purificação ou de
higiene. Durante a ceia ele se levanta, tira o manto, que é um gesto de entrega
e de serviço, e ele mesmo derrama a água na bacia para lavar os pés de seus
discípulos. Quando chega diante de Pedro, este toma o gesto de Jesus como se
fosse de fato um gesto ritual de purificação e não aceita que Jesus lhe lave os
pés. Jesus corrige a interpretação de Pedro e dá o sentido verdadeiro. O gesto
do lava-pés significa que a verdadeira purificação acontece na entrega e no
serviço. Significa também que Jesus é o Messias-Servo, anunciado por Isaías.
Por isso, se Pedro não aceitar tal gesto, não poderá estar em comunhão com
Jesus. Para Jesus, os que aceitam sua mensagem, suas palavras e seus gestos,
estão puros e prontos para o Reino. O que purifica a pessoa não é a observância
da Lei, mas sim a prática das palavras de Jesus. Quem for capaz de amar como
Jesus amou, receberá o Espírito que é serviço gratuito aos irmãos e irmãs. Este
exemplo ele nos deixou. Mas na ceia nem todos estavam puros. O adversário se
fazia presente em Judas.
Mesmo assim, Jesus lava os pés de Judas antes que ele saia
para cumprir sua missão. O amor vence o ódio.
(Texto extraído do livro “Raio-X
da Vida – Círculos Bíblicos do Evangelho de João”. Coleção A Palavra na
Vida 147/148. Autoria de Carlos Mesters, Mercedes Lopes e Francisco Orofino.
CEBI Publicações. Saiba mais com [email protected])
Fonte: Centro de Estudos Bíblicos (CEBI): www.cebi.org.br
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